Antes de embarcar rumo a Assen no início da semana, o espanhol estava confiante em conquistar um novo triunfo. Na quinta-feira, seu mundo virou de cabeça para o baixo. Uma forte queda a mais de 200 km/h no segundo treino livre parecia ter acabado com suas chances de título e aberto caminho para o primeiro Mundial de Dani Pedrosa.
Levado a um hospital local, Lorenzo não encontrou vaga para ser operado, então decidiu ir para Barcelona em um jatinho fretado para uma passar por cirurgia naquela mesma madrugada. Algumas horas depois, Jorge teve alta e voltou ao jatinho para retornar a Assen e tentar correr.
Última lesão séria de Lorenzo tinha sido em outubro de 2011, quando perdeu parte de um dedo em um acidente na Austrália (Foto: Yamaha) |
Nesse meio tempo, muitos disseram que ele era louco, outros tantos chamaram os médicos da categoria de irresponsáveis. Para mim, nem um, nem outro.
Ele sabia sua real condição e os médicos da MotoGP têm experiência o bastante para saber quais são os limites. O Dr. Claudio Costa, por exemplo, está no Mundial pelo menos desde os tempos que o pai de Valentino Rossi corria. E foi ele quem ficou nos boxes da Yamaha acompanhando o piloto.
Saindo no 12º posto, Lorenzo fez uma largada muito boa e foi escalando o pelotão pouco a pouco. No fim, sucumbiu a dor e ao cansaço, se isolando no quinto posto e se ocupando em levar a M1 de volta para casa. O resultado de seu imenso esforço foi a perda de dois únicos pontos para Pedrosa, que agora tem nove pontos de vantagem na classificação do Mundial, ao invés dos sete que tinha anteriormente.
Um pouco depois de seu triunfo, Héctor Martín, seu assessor de imprensa, revelou que foi o próprio piloto quem arcou com custos de toda essa operação. O que mostra, ainda mais, seu empenho.
Mesmo dolorido, Lorenzo teve disposição para posar para fotos com os fãs e falar com a imprensa, explicando o que foram esses últimos três dias. “Quando eu soube que tinha fraturado a clavícula, pensei que perderia as próximas duas ou três corridas. Logo conversei com o meu pessoal, que fez todo o possível para que eu fosse operado logo. Eu tinha de esperar 24 horas para expulsar a anestesia, porque, do contrário, não teriam me deixado participar. Foi por isso que operei na sexta-feira”, justificou.
“Na quinta, meu erro foi não ver o verdadeiro perigo da pista, que estava muito ruim e com muitas poças d’água, era muito fácil cair. A minha ambição me irritou, por não ver o risco”, falou. “Voltei a errar depois de alguns anos sem me lesionar com gravidade. Mas em nenhum momento eu pensei em disputar a corrida. Nunca tinha acontecido de um piloto correr 48 horas depois de fraturar a clavícula. Era impossível imaginar isso.”
“Antes de operar eu tinha muita dor, mas depois de passar pela cirurgia, a lesão doía mesmo. Eu me senti mais forte. E ali eu decidi”, relatou. “Antes de operar, é claro que eu pensei: ‘Vamos operar e ver o que acontece’. Sem descartar nada, mas com muito ceticismo. Mas depois da intervenção, ficou mais claro que eu podia tentar”, contou.
“De manhã, quando eu acordei, tinha muita dor. Mais do que ontem. Depois de dormir oito horas em uma posição que, talvez, não fosse a adequada para a clavícula, você sempre levanta com dores por todo o corpo. Depois, quando o corpo fica mais quente, você se sente melhor”, ponderou. “Me fizeram uma infiltração para sair no warm-up, não muito, e isso deixou as coisas mais difíceis. Para a corrida, me infiltraram mais e no princípio estava bem, mas com o esforço o meu rendimento baixou.”
Jorge segurava o braço esquerdo para tentar diminuir as dores da lesão (Foto: Yamaha) |
Antes de ser liberado para a corrida, Jorge foi submetido a um exame físico. Ciente de que teria de passar pela prova, o piloto de Palma de Mallorca aproveitou a noite de sexta-feira para treinar – fazendo flexões.
“Nós sabíamos mais ou menos os testes que fazem com os pilotos quando têm uma lesão como a minha. Primeiro te fazem fazer umas flexões de pé contra a parede, depois flexões na horizontal, no nível desta mesa (cerca de 80 cm) e mover o braço”, contou. “Então ontem à noite nós praticamos um pouco para ver como estava e vi que eu conseguia fazer. E nesta manhã eu até estava um pouco melhor. Depois do warm-up me fizeram menos testes, a folha de tempos também ajudou, e nos deram o ok.”
Lorenzo, entretanto, rechaçou as críticas que diziam que seu ato era uma loucura. “Nunca estive louco. Não sou uma pessoa maluca e acredito que não exista nenhum piloto louco. Ao contrário. Nós somos pessoas muito sensíveis, porque devemos notar todas as sensações que a moto transmite para evitarmos quedas”, falou.
“Alguns são mais ou menos sensíveis, mas não loucos. Talvez, quando mais jovens, sejamos um pouco mais inconscientes do risco. Mas não com 26 anos”, reforçou. “Eu tinha muito claro, claríssimo, que se não me visse capaz de correr e se a minha condição física não me permitisse ser competitivo ou pudesse colocar os outros em risco, não disputaria a corrida.”
“Quando saí no warm-up, vi que tinha um ritmo bom e que podia tentar. Se tivesse me sentido mal na corrida, mareado ou sem força para continuar, teria parado. Garanto.”
Questionado se foi o momento mais impressionante de sua carreira, Lorenzo respondeu: “Sim, sem dúvida. Supera a dos tornozelos na China [Em 2008, sua temporada de estreia na MotoGP, Jorge fraturou os dois tornozelos, mas correu da mesma forma]. Se eu fosse um corredor de 100 metros ou de 1500, evidentemente não poderia ter corrido, mas na moto atrapalha muito menos ter os tornozelos fraturados. É mais complicado correr com a clavícula fraturada”, indicou.
O piloto também falou sobre a corrida deste sábado, quando largou em 12º para chegar em quinto. “Quando vi que larguei bem e que as voltas iam passando e eu estava em quinto, fiquei emocionado. Me ver ali muitas voltas depois atrás do primeiro grupo e sem me afastar, e até mesmo reduzindo a diferença em alguns momentos, me emocionava. De verdade”.
“Não sabia como o corpo ia responder, se eu aguentaria toda a corrida. Mas a partir da sétima volta, já vi que o esforço com o lado direito do corpo ia me fazer pagar no fim da corrida. E foi isso que aconteceu”, contou. “O grande esforço que tinha que fazer com a parte direita do meu corpo, não poder usar o lado esquerdo, me deixou sem forças para ter um ritmo mais constante no final e poder, quem sabe, lutar com Dani pela quarta posição.”
“Eu pensava que Dani estava em segundo. Eu tentava ver os telões do circuito, mas não conseguia ver direito. Faltando duas voltas, vi que estava em quarto e a verdade é que eu fiquei muito contente”, revelou.
Também, Jorge falou sobre as lágrimas no fim da corrida e disse que não conseguiu segurar a emoção vendo seu time e seus amigos o aplaudindo no retorno aos boxes.
“Não consegui evitar o choro”, comentou. “Não sou uma pessoa que chora muito e é a primeira vez que eu choro em cima da moto. Não chorei nem quando ganhei os títulos, mas desta vez eu não consegui evitar quando vi toda a equipe me aplaudindo. Depois mais, e quando vi Ricky [Cardús] ali, também aplaudindo, chorei mais ainda”, disse rindo, e explicando que eram lágrimas de dor e principalmente por “pensar que era impossível correr nessa prova, impossível, mas por ter conseguido por causa da força interna.”
Durante a entrevista, um repórter disse ao piloto:
- Você é um herói!
- Não. Heróis são aqueles que trabalham duro só para chegar ao fim de cada mês. Eu sou pago para fazer essas coisas.
Lorenzo pode até não se achar um herói, mas o que fez hoje foi heroico. Jorge ganhou o respeito e a admiração de muitas pessoas que ainda tinham dele a mesma impressão daquele menino que chegou ao Mundial em 2008 querendo bater o rei da categoria.
O bicampeão pode nunca tomar o lugar de Valentino Rossi no coração dos fãs da categoria, mas certamente terá um lugar entre os maiores de todos os tempos.
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